Dez anos depois, as feridas deixadas pelo surto de legionella no concelho de Vila Franca de Xira ainda estão abertas. 12 pessoas morreram e centenas ficaram com sequelas para o resto da vida. Foi provado nexo de causalidade em 73 casos onde foi encontrada a estirpe ST1905 da bactéria, e essas vítimas acabaram por ser indemnizadas pela empresa Adubos de Portugal (ADP), mas 330 ainda aguardam um desfecho. Numa sessão destinada a assinalar os 10 anos do surto promovida pela Associação de Apoio às Vítimas da Legionella, no Forte da Casa, refletiu-se sobre as lições que o surto deixou e a certeza de que os que acabaram por sair com a saúde lesada não vão deixar de lutar.
É o caso de Maria Rosa que hoje apenas respira de forma artificial com recurso a oxigénio. Fez questão de marcar presença na sessão. É uma das 330 vítimas onde não foi provado nexo de causalidade. Já era asmática, com a Legionella e mais tarde com a Covid, a saúde ficou irremediavelmente comprometida. Já tem pouca fé quanto a um desfecho positivo para o seu caso na justiça, mas considera ser positivo comparecer neste tipo de iniciativas. Também Francisco Soares ficou doente com a bactéria. Esteve internado no Hospital de São José durante 15 dias. Na altura tinha 67 anos.
Este foi um dos maiores surtos a nível mundial e também deixou lições para a ciência. Filipe Froes, pneumologista, explicou, durante a sessão, que pela primeira vez foi associado um caso de contágio à bactéria, algo que nunca tinha sido comprovado anteriormente. Aconteceu com um trabalhador que nos dias antes tinha ficado encarregue de proceder a um serviço da empresa Tubogal na ADP, junto com outro colega com o objetivo de proceder à limpeza das torres de refrigeração. O seu nome era Manuel Lima e talvez por ter estado no “olho do furação” a carga da doença foi muito alta e acabou por contagiar a mãe, uma mulher mais idosa e com outras comorbilidades. Ambos faleceram na sequência do contágio. Este caso foi estudado e documentado numa das publicações de ciência mais prestigiadas do mundo, o New England Journal of Medicine. Em entrevista ao Valor Local, em 2017, o outro trabalhador da Tubogal, colega de Manuel Lima que por aqueles dias também trabalhou na ADP, falava numa fábrica “muito degradada, a cair de podre”, não hesitava em dizer.
Durante a sessão, o antigo presidente da Câmara, Alberto Mesquita, recordou aqueles dias de angústia e o facto de ter cogitado renunciar ao mandato se se comprovasse que a fonte do problema estava na água canalizada. Tal não se comprovou. Foram tempos difíceis que viveu à época com o vice-presidente António Oliveira, também administrador dos SMAS. Durante o processo lembrou os esforços e a postura do antigo ministro da Saúde, Paulo Macedo e do antigo diretor geral da Saúde, Francisco George.
Maria Manuela, da Associação de Apoio às Vítimas da Legionella, afirmou ao Valor Local que continua firme o propósito de levar em frente o processo baseado numa ação popular contra o Estado em nome das mais de 300 pessoas infetadas com a bactéria – “Já se passaram 10 anos, se tivermos de passar outros 10, não há problema, não desistimos”. Neste momento, o processo está mergulhado no âmbito do tribunal administrativo conforme deu conta a advogada da associação, Sara Machado, durante a iniciativa. As vítimas reclamam uma indemnização de 2,6 milhões de euros.