O novo Plano Diretor Municipal (PDM) de Alenquer trouxe de volta um velho fantasma: o conflito entre a expansão industrial e a qualidade de vida das populações de Casais Novos e da Passinha. No epicentro da discórdia está a empresa Santos e Vale, cuja presença e tráfego pesado continuam a marcar o quotidiano de quem ali vive. À medida que o PDM aponta para mais área de atividade económica naquela zona, o desconforto cresce — e nenhum dos candidatos à Câmara Municipal escapa à pergunta inevitável: o que fazer para corrigir o erro? Foi isso que efetuámos na Rádio Valor Local aquando das entrevistas aos cinco candidatos.
Tiago Pedro: o vereador eleito pelo PS que quer corrigir o “erro” do passado
Tiago Pedro, agora candidato independente, reconhece que “as pessoas da Passinha têm razão para protestar” e admite corresponsabilidade política, ainda que não direta: “Não fui eu que licenciei nada disso”, frisou. O ainda vereador eleito pelo PS, em 2021, atribui o impasse a uma sucessão de mal-entendidos entre si e o ainda presidente, nomeadamente no processo de compra do terreno destinado à via alternativa, “que o executivo socialista anunciou como concluído antes de o estar”. Promete que, caso seja eleito, avançará com uma ratificação do PDM “para lhe dar cunho próprio” e garantir que a expansão industrial não destrói a convivência residencial. “Não consigo reverter o que não é reversível, mas há erros que podem ser mitigados com bom senso”, afirmou. Tiago Pedro sublinha ainda que a comunidade deve participar “ativamente na consulta pública do plano” — uma forma de corrigir, pelo voto e pela pressão, o que considera ter sido uma condução “pouco transparente”.
Carlos Sequeira: o alerta do Chega para um plano “mal estruturado”
Carlos Sequeira, candidato do Chega, foi perentório: “É impensável continuar com camiões dentro daquelas localidades”. O cabeça-de-lista independente associa o problema à mesma matriz de planeamento que permitiu o caso da Santos e Vale: um PDM que, no seu entender, “foi feito à medida da equipa pelo PS”. Aponta o dedo à “ausência de descentralização industrial” e defende uma política de dispersão das empresas por outras zonas do concelho. “Há tantos sítios onde se podia retirar pressão do Carregado e da Passinha. A Câmara do PS aprovou tudo como se nada fosse”, lamentou.
Sobre a possibilidade de travar a nova área industrial prevista, mostra-se cético: “Quanto mais tempo passar, mais difícil será reverter. Mas é preciso tentar.”
Ernesto Ferreira: o “não dito” da CDU sobre responsabilidade política
Para Ernesto Ferreira, da CDU, o problema da Passinha é um retrato da forma como o município tem gerido o território. “Se calhar não se devia ter deixado implantar e funcionar sem acessos em condições”, resumiu. O candidato admite que “provavelmente não era ali o lugar certo” para instalar um pólo logístico daquela dimensão. Apontando falhas “antigas e repetidas”, criticou o investimento atual de “quase dois milhões de euros” para corrigir erros que nunca deviam ter acontecido. “Estamos a pagar caro o improviso”, declarou. E acusa o PDM de “replicar erros, em vez de aprender com eles”, lembrando que a expansão industrial ali prevista “não traz paz às populações, só mais conflito”.
Francisco Guerra: o ataque mais direto ao PS
Francisco Guerra, candidato da coligação Todos (PSD/CDS/IL), não poupou críticas: “A única solução ótima teria sido nunca ter licenciado a Santos e Vale naquela localização.” O candidato acusou o executivo socialista de “autismo político”, por não integrar representantes dos moradores nos grupos de trabalho sobre o tema. “É o mesmo método de sempre: a Câmara acha que sabe tudo. O PDM é tratado à porta fechada e agora volta a apontar para mais zona industrial na mesma área”, afirmou. Para Guerra, o novo PDM “é um documento que consolida o erro” e “serve de escudo político para justificar o injustificável”.
Considera, ainda assim, que o plano pode ser corrigido se houver “vontade política e transparência no processo”. Mas avisa: “Enquanto o PS insistir em governar sem ouvir as pessoas, nada muda.”
João Nicolau: o PS tenta distanciar-se do dano
João Nicolau, candidato do PS e herdeiro político de Pedro Folgado, assume sentir-se “enganado” com o processo Santos e Vale. “Foi-nos apresentado um estudo de tráfego que nada tinha a ver com a realidade”, admitiu na entrevista ao Valor Local. Reconhece que o impacto da empresa é “real e incomodativo” e diz querer “resolver o problema o mais depressa possível”. Afirma que o município “tem um projeto feito e que vai avançar assim que possível”, e promete rever a situação “em diálogo com a empresa”. Confrontado com a nova área industrial prevista no PDM, Nicolau respondeu que prefere “resolver do que alimentar mágoas” e garante que o novo traçado “não servirá apenas a Santos e Vale, mas também uma futura variante de escoamento de tráfego”. No entanto, evitou comprometer-se com uma inversão concreta do plano.
Em síntese, todos os candidatos dizem querer “ouvir as populações” e “corrigir erros”, mas nenhum apresentou ainda um plano técnico detalhado com prazos e custos para retirar os pesados da zona habitacional ou reverter a expansão industrial. Com o PDM em fase final de consulta pública, a resposta política ao drama de Casais Novos e da Passinha será também o primeiro teste à seriedade dos compromissos eleitorais.